Pedagogia do Oprimido
(Resumo)
Jeane Vanessa Santos Silva*
Paulo Freire é caracterizado com um pensador que se comprometeu, além das idéias, com a própria vida, com a própria existência; na Pedagogia do Oprimido ele nos apresenta sua experiência cativada no exílio durante cinco anos, bem como nos mostra o papel conscientizador da educação numa ação libertadora do próprio "medo da liberdade".Para Paulo Freire vivemos numa sociedade dividida em classes, sendo que os privilégios de uns impedem que a maioria usufrua dos bens produzidos e, coloca como um desses bens produzidos e necessários pata concretizar a vocação necessária do ser mais, a educação, da qual é excluída grande parte da população do Terceiro Mundo.Refere-se então a dois tipos de pedagogia: a pedagogia dos opressores, onde a educação existe como uma prática de dominação e a pedagogia do oprimido que precisa ser realizada para que surja uma educação com prática de liberdade.
O movimento da liberdade deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será gerada nos homens e não para os homens; vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se disponha a transformar essa realidade, trata-se de um trabalho de conscientização e politização. A violência dos opressores é gerada por uma ordem que se posiciona injustamente sendo resultado de um processo histórico de desumanização.Esta desumanização dá margem ao surgimento da luta pelo direito de cada ser humano, a luta pela liberdade trabalhista, e pela afirmação do homem enquanto indivíduo possuidor destes direitos.
Em relação à definição de oprimidos e opressores pode haver algumas contradições; o que torna os opressores desumanizados é sua violência, e essa violência faz com que os oprimidos tendam a reagir lutando contra quem os oprime, contra quem os fez menos.Essa luta só adquire sentido quando o ser menos, ao buscar sua humanização, não se reconhece opressor devolvendo a quem o oprimiu tal violência.A libertação se dá á medida que o oprimido reconquista sua humanidade em ambos os papéis que possivelmente ocupa o do ser mais e o do ser menos.
Toda a Pedagogia do Oprimido se apresenta como um texto problematizador, que explicita a própria teoria da educação do homem; essa teoria da educação se reflete em generosidade verdadeira e humanista podendo alcançar o objetivo da libertação.Só unindo teoria e prática essa libertação pedagógica será possível, além disto, quando os líderes de uma revolução estabelecem uma relação dialógica, ao contrário de tentar sobrepor-se aos oprimidos querendo mantê-los como quase "coisas", isso se dá efetivamente.A pedagogia que parte de interesses individuais, a pedagogia "humanitarista", que está repleta de opressores que se disfarçam de generosos, essa pedagogia promove e constrói a desumanização.Quando os oprimidos se reconhecem como seus próprios refazedores permanentes é porque foram capazes de alcançar na prática o saber da realidade.Esta presença dos oprimidos na busca de sua libertação mesma é, assim como deve ser, um engajamento, desta forma esta atitude se configura como mais que uma pseudo-participação.
Paulo Freire também estabelece uma diferença crucial quando trata de educação bancária e educação libertadora.A pedagogia dominante é fundamentada em uma concepção bancária de educação (predomina o discurso e a prática, na qual, quem é o sujeito da educação é o educador, sendo os educandos como vasilhas a serem enchidas; o educador deposita "comunicados", que estes, recebem, memorizam e repetem), da qual deriva uma prática totalmente verbalista, dirigida para a transmissão e avaliação de conhecimentos abstratos, numa relação vertical, o saber é dado, fornecido de cima pra baixo, e autoritária, pois manda quem sabe.Na educação bancária o educador é sempre o que sabe, enquanto os educandos serão os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processo de busca; educador é o sujeito do processo enquanto o educando o mero objeto.Desta maneira o educando, em sua passividade, torna-se apenas um objeto receptor numa falsa pressuposição de um mundo harmonioso, no qual não há contradições.
O método freireano não ensina a mera repetição de palavras, mas, a despeito disto, coloca o educando numa posição de poder re-existenciar criticamente as palavras de seu mundo.É a palavra que o homem constrói seu mundo e se diferencia dos animais.Aprender a escrever sua vida é o principal e mais exato sentido da alfabetização, aprender a escrever sua própria vida enquanto autor e testemunha constituindo historicamente sua forma e sua consciência se fazendo reflexivamente responsável pela história.
Enquanto a educação bancária é vista como uma modalidade em que o educador é o único detentor do conhecimento e o educando é vaso vazio a ser preenchido pela sabedoria do mestre, na educação libertadora, ao contrário, há interação entre educando e educador onde o ensino e a aprendizagem partem, ambos, de ambos os lados.Quem ensina aprende e quem aprende ensina simultaneamente. Nesta educação problematizadora proposta por Paulo Freire o conhecimento não é transferido do educador para o educando, mas, a despeito disto, ocorre um compartilhamento de experiências onde se encontram as condições necessárias para a construção de seres críticos, no decorrer do diálogo com o educador, por sua vez, também ser crítico.
Dentro da situação concreta de opressão e oprimidos, a auto-desvalia é uma das características do oprimido, que resulta da introjeção que fazem eles da visão que deles tem os opressores. De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, indolentes, que não sabem nada, que não podem saber, acabam por se convencer de sua "incapacidade".Quando isto efetivamente ocorre o mundo do oprimido não é visto a partir de uma nova perspectiva que valoriza a verdade das palavras numa mediatização dos sujeitos conhecedores, que, por sua vez, não culminam em sua própria humanização.
O diálogo não é um produto histórico, é a própria historicização, é ele, pois, o movimento constitutivo da consciência que abrindo-se para a infinitude, vence intencionalmente as fronteiras da finitude e, incessantemente, busca reencontrar-se além de si mesmo. Expressar-se expressando o mundo, implica o comunicar-se.Alfabetização não é um jogo de palavras, é a consciência reflexiva da cultura, a reconstrução critica do mundo humano, é toda a pedagogia: aprender a ler é aprender a dizer sua palavra-ação.A teoria contrária, a anti-dialógica, se caracteriza nas elites dominadoras e essas classes têm interesse em dividir a sociedade entre eles e a 'massa popular', pois se não ocorrer tal divisão a classe oprimida pode despertar em um sentimento de união que é indispensável à ação libertadora; já a teoria da ação dialógica se caracteriza numa classe ocupada em revolucionar libertadoramente os métodos estabelecidos, nesta classe é possível encontrar os sujeitos que visam à transformação do mundo através da educação.
Vemos que na teoria anti-dialógica o sujeito domina o objeto, enquanto na teoria dialógica os sujeitos unidos e reunidos pronunciam o mundo.Enquanto na ação anti-dialógica a elite dominadora disfarça o mundo para dominá-lo de melhor forma a ação dialógica visa desvelar o mundo; este desvelamento do mundo e do próprio indivíduo enquanto parte dele possibilita, na prática cotidiana, à adesão das massas populares.Esta adesão se dá ao mesmo tempo que as massas populares confiam em si mesmas e em suas lideranças revolucionárias, pois percebem a dedicação e a verdadeira defesa da libertação dos homens. Para os opressores, o que vale é ter cada vez mais, à custa, inclusive do ter menos ou do nada ter dos oprimidos. Ser para eles, é ter, e ter como classe que tem. O sadismo aparece como uma das características da consciência opressora, na sua visão necrófila do mundo. Por isto é que seu amor é um amor as avessas – um amor a morte e não a vida.
Na teoria dialógica as lideranças revolucionárias se sentem obrigadas a manter a união dos oprimidos entre si em virtude da libertação; esta obrigação na prática é pó ponto fundamental.O contrário do que ocorre com a elite opressora que mantém sua unidade interna no intuito de fortalecer sua organização e poder e por isso importa sua separação das massas; para a liderança revolucionária deve haver unidade entre ela e as massas.A ação da unidade em virtude da libertação se contrapõe á vontade da classe dominante e por este motivo é tão difícil para as lideranças revolucionária manter esta união; o ponto inicial para manter a unidade é o desvelamento da realidade, a desmistificação do real, de modo que também é imprescindível uma forma de ação cultural através da qual se possa conhecer o porquê e o como da "aderência" à realidade que lhes dá um conhecimento falso dela e de si mesmo; também é necessário desfazer a ideologia e conhecer a verdadeira maneira que o mundo se apresenta, realizando, deste modo, uma adesão à verdadeira prática de transformação da realidade injusta.
É na tentativa da liderança manter um testemunho de que busca a libertação, que é uma tarefa comum entre um povo, que se faz presente a teoria dialógica; e é este testemunho que, por sua vez, singelo e corajoso, exercita uma tarefa comum, a fim de evitar o risco dos direcionamentos anti-dialógicos; este testemunho é ainda uma das principais interpretações das características culturais e pedagógicas da revolução.Os homens humanizam-se, trabalhando juntos para fazer do mundo, sempre mais, a mediação de consciências – que se coexistenciam em liberdade. Um método pedagógico de conscientização alcança as últimas fronteiras do humano, e como o homem sempre se excede, o método também o acompanha, é a educação como prática de liberdade.A luta do ser menos pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação do homem como pessoa, somente tem sentido quando os oprimidos buscarem recuperar sua humanidade, não se sentem idealisticamente opressores, nem se tornam de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos.
A ação cultural, no entender de Paulo Freire, se põe ou a serviço dos opressores, ou a serviço da libertação dos homens, de forma consciente ou inconsciente.Quando se põe a serviço dos opressores, na ação cultural não se encontra a possibilidade de seu caráter de ação induzida; quando se põe a serviço da libertação dos homens, a ação cultural se coloca em posição dialógica e se acha a condição para superar a indução. Segundo Paulo Freire a libertação é um processo doloroso, pois depende do próprio individuo expulsar ou não o opressor de dentro de si. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo, não o opressor, não mais o oprimido, mas homem libertando-se.Um dos problemas mais graves que se põem à libertação é que opressores e oprimidos precisam ganhar a consciência critica da opressão, na práxis desta busca. Através da práxis autêntica que, não sendo "blábláblá", nem ativismo, mas ação e reflexão, e possível fazê-lo. Práxis é a reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo, sem ela é impossível à superação da contradição opressor-oprimido.
Deste modo, se os indivíduos puderem se descobrir a partir de uma modalidade de ação cultural que problematize em si mesma a ação de confronto com o mundo, isto significa, num primeiro momento, que se descubram como tal e reconheçam sua identidade com toda a significação profunda que tem esta descoberta.Não levar em conta a visão do mundo que o povo tem é um dos erros que a liderança comete.No caso da liderança revolucionária, o conhecimento desta visão do mundo lhe é indispensável para sua ação, enquanto síntese cultural.O que a ação cultural dialógica pretende é o não desaparecimento da dialeticidade entre permanência e mudança, e a superação das contradições antagônicas de que resulte a libertação dos homens.
É como homens que os oprimidos tem que lutar e não como "coisas", na relação de opressão em que estão, que se encontram destruídos. A luta por esta reconstrução começa no auto conhecimento dos homens destituídos.Um educador humanista, revolucionário deve orientar-se no sentido da humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido de doação, da entrega do saber, sua ação deve estar fundida da crença nos homens. Isto tudo exige dele um companheiro dos educandos, em suas relações com estes.A educação como pratica de liberdade implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente.
A prática problematizadora propõe ao homem sua situação como situação problema, propõe a ele a sua situação como incidência de seu ato cognoscente, através do qual será possível a superação da percepção mágica ou ingênua que dela tenham.O diálogo é também uma exigência existencial, e se ele é o encontro em que solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo e ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes.A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Homens que não tem humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar para chegar ao lugar do encontro com eles.
A confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronuncia do mundo. Falar em democracia e silenciar o povo, falar em humanismo e negar os homens é uma mentira.Para o educador educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição mas devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregar de forma desestruturada.A investigação da temática envolve investigação do próprio pensar. Pensar que não se dá fora dos homens, nem num homem só, nem no vazio, mas nos homens e entre os homens, e sempre referido a realidade.No processo da descodificação cabe ao investigador, auxiliar, não apenas ouvir os indivíduos, mas desafiá-lo cada vez mais problematizando, de um lado, a situação existencial codificada e de outro, as próprias respostas que vão dando aqueles no decorrer do diálogo.
A solidariedade nasce no testemunho que a liderança dá ao povo, no encontro humilde, amoroso e corajoso. Nem todos temos a coragem deste encontro e nos enrijecemos no desencontro, no qual transformamos os outros em puros objetos, e ao assim agirmos nos tornamos 'necrófilos', em lugar de 'biófilos', matamos a vida, em lugar de alimentarmos, em lugar de buscá-la, corremos dela.Manipulação é uma das características da teoria da ação anti-dialógica, é a manipulação das massas oprimidas. Através da manipulação vão tentando conformar as massas populares e seus objetivos.Crianças deformadas num ambiente de desamor, opressivo, frustradas na sua potência, se não conseguem na juventude, endereçar-se no sentido da rebelião autêntica, ou se acomodam numa demissão total do seu querer, alienados a autoridades e aos mitos, poderão vir a assumir formas de ação destrutiva.
O trabalho de Paulo Freire pode ser visto não apenas como um método de alfabetização, mas como um processo de conscientização, por levar em conta a natureza política da educação.ara ele o objetivo da educação deveria ser a libertação do oprimido, que lhe daria meios de transformar a realidade social e sua volta mediante "conscientização" (conhecimento crítico do mundo).A eficácia e a validade de seu método fundamentam-se no fato de partir da realidade do alfabetizando, do seu universo, do valor pragmático das coisas e fatos de sua vida cotidiana, de suas situações existenciais.
Obedece às normas metodológicas e lingüísticas, mas vai além delas, ao desafiar o homem ou a mulher que se alfabetizam a se apropriarem do código escrito com vistas a sua politização.Vale a pena ressaltar que apesar de os educadores e profissionais da área educacional sofrerem diferentes tipos pressões, degradação salarial e até mesmo queda no prestigio social, ainda depende deles a valorização, a qualidade e a excelência da educação.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 28 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
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